Zumbis com
celulares nas mãos
Mauro Calliari
18
Junho 2017 | Estadão.com
Ilustração Steve
Cutts – http://www.stevecutts.com/
Outro
dia, estava andando na Barão de Itapetininga, em direção ao teatro Municipal.
Na rua cheia de gente, desviava de vendedores de loteria, de homens-sanduíche
com ofertas de emprego, de cantores religiosos, mas me intriguei com um homem
que vinha andando em minha direção, segurando um celular.
Ele
olhava fixamente para aparelho. Ao mesmo tempo, teclava, passava o dedo na
tela, falava consigo mesmo, e parecia esperar do celular uma resposta para algum
problema muito grave, urgente mesmo, a ponto de ignorar a Barão de
Itapetininga, os vendedores, os homens-sanduíche, os cantores, e eu.
Quanto
mais intensamente segurava o celular, mais rápido rápido andava em minha
direção. Não sei porque, mas resolvi que não iria sair da frente. Talvez
achasse ridículo um adulto andar sem olhar para seu caminho, talvez estivesse
curioso para ver até ver onde ele iria.
Pois ele continuou andando e olhando
para o celular até que, a uns poucos centímetros de mim, estancou. Olhou-me
irritado, como se eu tivesse invadido seu mundo virtual. Parecia querer dizer
algo, mas desistiu e olhou para seu celular. E seguiu em frente, embora,
resmungando algo incompreensível em língua de zumbi.
Isso
anda acontecendo em toda a parte. Todo psicólogo, antropólogo, sociólogo já
estudou e escreveu sobre o celular e a nova sociedade contemporânea. Como, ao
mesmo tempo em que ele nos conecta com quem está longe, nos afasta de quem está
perto. Como, numa sala de espera, a pessoa fica acometida de uma solidão
invencível, em meio à multidão conectada.
Pensando nisso, num vagão do metrô, resolvo olhar para as telas para
descobrir o que pode ser tão absorvente e urgente. Vejo joguinhos.
Aparentemente, há bolinhas coloridas que encostam em outras bolinhas e que
depois explodem. Vejo caixinhas de diálogos recheadas de figurinhas, corações,
carinhas. Vejo fotos, muitas fotos, vídeos de gatos e pandas, e ouço música que
vaza dos fones.
Concluo que não há nenhuma urgência, há
apenas o vício.
Essas
pessoas sobem as escadas rolantes olhando para a tela e tropeçam no último
degrau. Elas chegam a uma esquina e não conseguem decidir se seguem ou se
param. Outras estancam na frente do caixa e ficam boquiabertas diante
da pergunta: “quer nota fiscal?”. Vi uma moça numa fila da farmácia. Acho
que ela ainda está lá, parada, lambendo a tela com o dedo, enquanto a atendente
tenta fazê-la lembrar do código do programa de fidelidade.
Uma
cidade na Holanda resolveu ajudar os pedestres distraídos com seus aparelhos, a
não morrerem atropelados. Na beirada da calçada, instalaram uma luz forte, no
chão, que alerta para o perigo.
O
problema maior, porém, é quando a pessoa que olha o celular está dirigindo. Entre a maquininha de 200 gramas e a máquina
de uma tonelada, o sujeito escolhe a primeira. E o carro fica na mão de
um zumbi. Alguns, em estado mais
avançado de dependência, começam a teclar, antes do carro parar totalmente e
não vêem a faixa, os pedestres, os outros carros. Só a tela, com o monstrinho
que come as frutinhas coloridas, ou a mensagem com o homenzinho amarelo
sorrindo.
E
quando batem o carro, ou atropelam alguém, não se dão conta de que cometeram um
crime. Afinal, eles tinham que abrir o vídeo dos patinhos que atravessam a rua
em Los Angeles pois nada parecia ser mais importante naquele momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário